Uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) pretende transformar células animais cultivadas em ambientes controlados em “pedaços de carne como já conhecemos”, sem necessidade de abate, segundo a pesquisadora Silvani Verruck, que coordena o estudo.
Para garantir ao alimento o aspecto, gosto e valor nutricional do bife, um dos grandes desafios da pesquisa, o estudo prevê o uso de scaffolds (materiais que dão suporte, que estruturam os tecidos) de origem vegetal, produzidas em laboratório.
O alimento cultivado, segundo a professora, pode se tornar uma alternativa para suprir a demanda de proteína para toda a população.
Como funciona
A chamada carne cultivada é um alimento feito por meio de técnicas de bioengenharia. As células usadas no processo são retiradas de um animal, a partir da biópsia do tecido, no caso da pesquisa, e podem ser usadas muitas outras vezes, em um processo chamado de imortalização.
A pesquisa se difere, por exemplo, da produção de hambúrgueres ou kibes a partir do cultivo celular, processo que já é tecnicamente possível. O desafio do estudo, segundo a pesquisadora, é reproduzir o corte como o ‘in natura”.
“É um processo bem complexo reproduzir toda a estrutura muscular, que tem uma composição fibrosa bem característica. [… ] Já para fazer uma almôndega ou um kibe, produzir só as células já é o suficiente, porque depois juntamos elas com outros ingredientes da formulação e damos a forma que quisermos”, contextualiza.
A busca, segundo a pesquisadora, é estudar as scaffolds, que dão suporte às células, e entender como fazer para que a ela se assemelhe ao máximo a alimentos já tradicionais na dieta alimentar da população. A estrutura para adesão das células musculares pode ser criada a partir da bioimpressão 3D.
Benefícios
A professora que lidera o estudo feito em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária) destaca que a carne convencional é limitada geograficamente. Já o alimento cultivado poderá ser produzido em qualquer lugar do mundo, em fazendas verticais, facilitando também seu acesso e distribuição.
“Ela poderá ser uma forma a mais de obtermos uma fonte de proteína, que é essencial na dieta. . […] Os custos também podem diminuir, uma vez que o alimento estará mais próximo do consumidor final”, explica.
Os pesquisadores querem que a carne cultivada se torne uma alternativa para suprir a demanda de proteína para toda a população, tendo em vista que o modelo convencional exige um amplo espaço de terra e de recursos hídricos, que são finitos.
Verruck acrescenta que, na carne cultivada em fazendas verticais, o desmatamento e a liberação de gases de efeito estufa associados à produção convencional da proteína não ocorre.
Cultivo das células
Após a coleta, as células primárias (originárias diretamente de tecido vivo) são cultivadas no laboratório em meios que sejam específicos para a linhagem do interesse da pesquisa. “Vêm vários tipos de células em uma coleta, então precisamos dar as condições para que só aquelas que queremos se multiplique”, explica a pesquisadora.
Os ambientes controlados incluem monitoramento de temperatura, pH, níveis de nutrientes, umidade e concentração de gases, entre outros fatores, de modo a imitar as condições existentes no músculo animal.
O tema do estudo intitulado Pesquisa e desenvolvimento de carne cultivada estruturada com scaffolds de origem vegetal, de acordo com Verruck, será apresentado no 29° Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos, em Florianópolis, entre 14 a 17 de outubro.
Fonte: G1 SC