O dia 5 de abril de 2023 ficou marcado na história de Blumenau. Há um ano, quatro crianças foram mortas e outras cinco ficaram feridas no ataque a creche Cantinho Bom Pastor. O crime chocou a população catarinense, gerando mudanças significativas na segurança das unidades de ensino.
O autor do crime, na época com 25 anos, se entregou à polícia logo após cometer o crime. Em outubro, seis meses após o ataque, a 2ª Vara Criminal de Blumenau determinou que o acusado deve enfrentar o Tribunal do Júri, onde será julgado por quatro homicídios qualificados e cinco tentativas de homicídio qualificado.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) explicou que após a sentença de pronúncia, a defesa do acusado recorreu ao tribunal, que manteve a decisão em 1° Grau. “Sem novos recursos, atualmente, o processo está em fase de intimação das partes – Ministério Público e Defensoria Pública – para especificarem as provas que pretendem mostrar em plenário. A sessão do Tribunal do Júri será designada após esgotarem os prazos”, completou.
O autor do crime passou por um exame de sanidade mental, feito por um médico perito oficial do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, de Florianópolis. O resultado foi apresentado à Justiça no dia 4 de agosto de 2023, após um pedido da defesa do acusado, realizada pela Defensoria Pública. O perito concluiu que à época dos fatos ele apresentava total capacidade de entendimento dos seus atos e total capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento. Em maio, um mês após o crime, ele foi transferido do sistema prisional de Blumenau para a Unidade de Segurança Máxima de São Cristóvão do Sul, no Meio-Oeste de Santa Catarina.
Por que o julgamento do autor do ataque ainda não aconteceu
Após a finalização do inquérito policial pela autoridade que o preside, o mesmo é encaminhado ao juízo e, no Poder Judiciário, é iniciada a primeira fase processual. Segundo o juiz Geraldo Corrêa Bastos, o processo de júri tem duas fases processuais. A primeira vai da denúncia até a pronúncia e a segunda é o próprio júri em si. “Quando o inquérito é remetido à juízo, o juiz encaminha os autos ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia. Se o juiz recebê-la, ele mandará citar o réu e, com isso, ele apresenta sua resposta, chamada de defesa prévia”, explicou.
A partir disso, a defesa pedirá por todas as diligências que entender necessárias e listará também as testemunhas que deseja inquerir. Ao fim da instrução, o juiz profere a chamada sentença de pronúncia, encerrando a primeira fase processual. Geraldo explica que a sentença de pronúncia é a admissão dos indícios de crime simulados na denúncia. O juiz admite a acusação e, por não ter a competência de julgar, ele marca o Tribunal do Júri “porque está remetendo está acusação para o julgamento pelo conselho”.
Processo em fase de recurso
Em relação à fase de recurso, o juiz comenta que na própria sentença de pronúncia já existe a possibilidade de recurso, em que a parte que não se conformou com a decisão pode recorrer. “Pode ser o Ministério Público em caso que o juiz não pronunciou o réu, ou pronunciou em crime menor do que o promotor desejava. O promotor também tem interesse no recurso, mas quando a sentença é pronúncia, normalmente quem recorre é o réu buscando absolvição sumária, a impronúncia ou então desqualificar/tirar algumas das qualificadoras que o juiz pronunciou”, explicou.
De acordo com Geraldo, nesse primeiro recurso, é o Tribunal de Justiça de cada estado que vai apreciar, podendo manter a sentença de pronúncia, absolver o réu ou anular a sentença e determinar que o juiz confira outra. “Depois, se o Tribunal de Justiça confirmou sentença de pronúncia e não houve mais recurso da defesa ou da procuradoria, porque já estará em 2° Grau, a sentença de pronúncia foi julgada. Então o juiz pode marcar o júri, mas tem que aguardar o trânsito em julgado do acordo, que é pautado pelo desembargador ou relator do recurso da sentença de pronúncia”, destacou.
Limites de recursos
Caso for mantida a sentença de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, o réu pode pedir recurso novamente para o caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que seria o 3° Grau de jurisdição. “O réu, tendo o prazo previsto no código de processo penal, pode recorrer ao STJ e, em casos excepcionais, também para o STF (Supremo Tribunal Federal) quando a matéria for constitucional, ou seja, a infringência de uma lei ou de alguma norma constitucional”, pontuou Geraldo.
O juiz explica que sempre que houver o recurso, o mesmo terá que ser admitido pelo Tribunal de Justiça de origem. “Quem admite esse recurso é o vice-presidente do tribunal. Aqui em Santa Catarina, pelo menos em matéria penal, é o segundo vice-presidente que vai analisar a admissibilidade desse recurso para ver se remete ou não ao STJ, em caso de recurso especial”.
Em relação ao autor do ataque a creche de Blumenau, em que o TJSC manteve a decisão em 1° Grau, Geraldo explica que se o caso já foi decorrido pelo tribunal e defesa, não cabe mais recurso. “Mas se não decorrer o caso, a defesa ainda pode recorrer ao STJ e, em caso excepcionais, até para o STF. Isso vai desde o controle de admissibilidade pelo vice-presidente do tribunal e, enquanto não decorrer o prazo do recurso, o processo aguarda e só desce para origem após o transcurso do prazo, porque daí a sentença já foi julgada e só pode aguardar o Tribunal do Júri”, destacou.
Ainda conforme Geraldo, isso ocorre independente do tipo de crime cometido, pois os prazos, crime de júri e sentença de pronúncia possuem o mesmo limite de tempo dentro do código penal. Nos tribunais de justiça, o recurso de pronúncia é julgado pelo desembargador. Já nos tribunais superiores, a denominação dos julgadores é ministros.
Tribunal do Júri
Geraldo esclarece que todos os crimes contra a vida, desde os dolosos, consumados ou tentados, são de competência do Tribunal do Júri. O juiz não julga esses casos, apenas preside os atos. “Ele decide até a sentença de pronúncia, depois, quando ele marca o julgamento. O juiz apenas coordena e preside os trabalhos, não sentencia, o veredito é dos jurados”.
Caso o veredito for absolutório, o juiz é obrigado a absolver o réu, se o veredito for condenatório, então cabe somente à ele a aplicação da pena. “Nos crimes de júri, a contribuição dele é somente a aplicação da pena. A sentença do júri é a aplicação da pena feita pelo juiz, mas o mérito, quem decide, são os jurados, isso em 1° Grau. Agora, em 2° Grau no Tribunal de Justiça, já é um colegiado que julga”.
Existe data limite para marcar julgamento?
O juiz explica que não existe uma data limite para marcar um julgamento. Depende de cada caso e, conforme Geraldo, são prioritários aqueles em que os réus e acusados estão presos. “Os processos de réus soltos, digamos que eles ficariam em segundo plano. O juiz sempre precisa dar prioridade a processos de presos, então eles tem uma tramitação mais rápida”, comenta.
Segundo ele, alguns julgamentos podem demorar mais que outros, pois depende do processo, circunstâncias e a sobrecarga de trabalho do magistrado. “Inclusive, pedidos das partes dos defensores, que muitas vezes até tumultuam o feito, isso tudo influência a demora do julgamento de um processo”, pontuou.
Sentenças
Todas sentenças são recorríveis, desde que a parte tenha interesse no recurso. Há um prazo para isso, mas o condenado tem o direito de tentar modificar a decisão por não concordar com ela em uma instância superior. “Ele pode levar esse processo, não quero dizer que sempre vá acontecer isso, existem algumas situações que restringem essa interposição recursal, mas normalmente sim, pode recorrer”.
Geraldo comenta que essa ação depende da decisão da corte superior. Caso ela entender pela anulação da decisão dos jurados, haverá um outro júri. Contudo, a corte superior também pode apenas prover parcialmente o recurso, ou seja, pode diminuir a pena pelo juiz ou pelo desembargador quando ir a outro recurso.
Questionado sobre a defesa aplicar vários recursos a fim de “atrasar” a data do júri, o juiz explica que isso pode ser uma estratégia para buscar uma prescrição que está em curso. Em relação aos pedidos de exames de sanidade mental pela defesa em crimes brutais como o de Blumenau, Geraldo explica que o advogado pode requerer o que achar conveniente para defender seu cliente.
“Mas no caso específico de alguma debilidade mental ou por submissão a drogas psicotrópicas, de qualquer forma, essa prova tem que ser conduzida em 1° Grau, não em 2° e 3° Grau, e essa prova já teria que ter sido realizada”, explicou.
Matéria: AYSLA PEREIRA/ND+
Foto: Vinicius Bretzke/Eduardo Fronza/Reprodução/ND